sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Partida imediata seguindo para o mundo

Konstantin Somov

Saía pelo mundo com sua inquietude, com a urgência de existir. Passava pelas cidades sem se deter, mas levava cada uma consigo. Os dias eram imprevisíveis, o próximo destino um mistério. Não era como se não tivesse endereço, na verdade tinha todos. Todas as casas eram a sua, toda cidade era sua cidade natal. Deixava marcas por onde ia, quando a marca estava suficientemente profunda era sinal de partir.

Com um misto de alegria e curiosidade, abraçava a viagem até a próxima cidade. Fosse como fosse o transporte tinha a sensação de não estar. Já não estava na cidade da qual partira tão pouco estava na cidade de chegada. Esse não lugar era o único incomodo, era o não existir no espaço. E como não se angustiar quando o espaço é intrínseco a si? 

Quando em trânsito, sua existência seria assegurada se um outro estivesse com ele. Um outro para tomar consciência de sua presença, um outro para que ele fosse capaz de delimitar o eu e o tu. E as viagens seriam de uma leveza... Ele e o outro existiriam no tempo, brincando de fazê-lo passar em meio a acrobacias. O tempo seria desacelerado com uma cambalhota em câmera lenta, as horas seriam engolidas com saltos desvairados e os minutos voltariam ao compasso dos ponteiros com um pulo seguido de um simples giro.

A estadia nas cidades seria mais enérgica. Ele e o outro encheriam as ruas de riso, cada esquina teria um novo brilho. As belezas da cidade desfilariam pelas avenidas, suas vergonhas seriam expostas nas praças. Nenhum endereço ficaria esquecido, logo ninguém que tivesse um passaria em branco. Se acaso alguém não tivesse seu próprio endereço, haveriam de ensinar-lhe o segredo de possuir todos.

Bastava que surgisse o outro. O outro ressignificaria tudo. O que se desdobrava para ser inteiro se assumiria como metade. A alegria deixaria de ser sorrisos para ser gargalhada. As apresentações? Espetáculos! E o  mais importante: o não espaço, esse seria o endereço por excelência, o lugar de existência plena.

Ali no palco ele estendeu a mão para a platéia e esperou a resposta. Sentado naquele humilde teatro estava o outro. De calça ou de saia? Não especulemos. O outro já se levanta para partir em viagem.

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