quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ao som dos sinos das catedrais

"E eu não duvido já escuto teus sinais"

Pode ser que um arlequim esteja solto na cidade e que ele cruze seu caminho, mas é preciso estar atento para vê-lo. Pode ser que ele não esteja vestido de losangos coloridos, que não faça acrobacias, que não provoque o riso. Pode ser que ele use a máscara de um rapaz, que conquiste o público com música. Pode ser que sua presença seja discreta e simples. Pode... O certo é que ele tocará os que o notarem. Ela o notou.
 
Ela devidamente acomodada no último vagão do trem começou a ler seu livro. Só pedia que as palavras a salvassem dos turvos sentimentos que a dominavam no momento, mas elas não redimiam. Buscava um alívio naquelas páginas ou um instante de distração, mas não encontrava. Ela insistia em alcançar pelos olhos o bálsamo, mas foi pelos ouvidos que finalmente conseguiu. Não via quem tocava a música, presumia que fosse uma dupla: um ao violão e o outro à gaita. 

A melodia já conhecida a tomou por completo, ela se pôs de pé, precisava ver de onde vinha o som. Quando os olhos alcançaram a origem dele teve uma surpresa, não era uma dupla, mas um único rapaz. Por dentro não se continha, já dançava ao som da música, por fora sorria levemente. Ela já não tinha conhecimento do vagão e nem das pessoas que estavam ali, na sua percepção só havia ela e a música.

Com a leveza de quem dança no balançar do vagão, se movimentando como se dançasse com o próprio vagão, se aproximou do rapaz. Ao final de sua apresentação ele sorria e andava entre os passageiros com sua boina na mão, e o fazia como se também dançasse. Já próximo a uma estação o rapaz se posicionou à porta para mudar de vagão, restava a ela fazer o mesmo. Juntos, sem ao menos darem as mãos, viajavam dançando dentro do trem.

O rapaz recomeçava sua apresentação para uma plateia nova, ela o ouvia novamente, mas era como se a música envolvesse seus ouvidos pela primeira vez. Por um breve instante ela se perguntou porque precisava tanto das palavras do livro, já não tinha importância, agora ela tinha a música. E a cena se repetia, o rapaz passou a sorrir entre os passageiros com sua boina, ao andar ele dançava com o vagão e por dentro ela também dançava. O rapaz e ela, ainda que separados, dançaram juntos no balanço da viagem ao som que ele tocava, o mesmo som que a tocou.

Ela sabia quem estava por trás da máscara do rapaz, impelida por essa certeza trocou algumas palavras com ele. Ela descobriu que ele se dividia em dois: o que viajava com saudades de casa e o que ficava em casa e tinha saudades de viajar. Nessa confusão de saudades ele era livre para transitar pelas cidades. Contagiada pelo desapego, ela deixou os sentimentos turvos pelo caminho. Deixou que o arlequim seguisse viagem e saltou do trem.

Por pouco tempo o rapaz ainda anda pela cidade, não deixe os ouvidos alheios a ele. Se deixe tocar pelo que ele toca. Una armónica y una guitarra.

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