terça-feira, 18 de junho de 2013

Parte Napoleão, O Segundo



Hoje a morte veio me acordar. A urgência era tanta que causou o reboliço cinco minutos antes do meu despertador tocar. Quando o despertador toca o sono se estende numa leve preguicinha, quando a morte te desperta imediatamente pesa nos ombros e as horas de descanso são anuladas. De um salto levantei da cama, o coração já disparado garantia que dentro de mim a vida pulsava livre, a minha volta é que ela havia deixado um corpo. Um pequeno e frágil corpo.

Tomei-o em minhas mãos. Já não era um corpo frágil, porque a fragilidade é dos vivos, os mortos são revestidos de uma dureza. Naquele instante tive consciência de que segurava a morte. Acostumada a sentir a vida do corpo tocar a minha vida me choquei com o que sentia: nada. Segurar um corpo sem vida é sentir o peso exagerado que o nada tem. Tentei me enganar que a vida se escondia de alguma forma dentro daquele corpo. Mas é claro que não, todo ele estava tomado pela morte. 

Morte e Vida. Precisei repetir inúmeras vezes essas palavras para aceitar que elas conferem condições bastante opostas a um mesmo ser. Não será sempre vivo, há de chegar o dia que cada ser estará morto. Sei  que aquele corpo passou por um processo de morte, aos pouquinhos o sopro da vida o abandonou, até que o ar não encheu seus pulmões e seus olhos se esvaziaram. Os olhos eram janelas para o nada.

E foi até esse ponto que consegui chegar. Fui capaz de segurar a morte e encara-lá, não fugi do incomodo que ela me causava. Foi meu limite. Não pude colocar a morte no seu lugar, não tinha forças para cavar a terra. Outras mãos o fizeram por mim. Por dentro uma voz repetia: não, não, não, não! Morte, morte! NÃO!

A casa foi imersa num profundo silêncio, a gaiola denunciava o buraco que a morte do frágil corpo deixara. A gaiola cheirava a morte. Recompus a vida dentro de mim e resolvi que tiraria a morte da gaiola. Jamais ouve prisioneiro dentro dela, suas trancas nunca foram usadas, todas as portinhas ficavam abertas, não seria agora que a morte ousaria se aprisionar naquelas grades. Limpei cada canto da gaiola, cada espaço vazio. Água quente, esfregões e sabão. A cada movimento as cores voltavam a colorir a gaiola. Para que a vida cantasse ali era preciso expulsar a morte.

Quando finalmente terminei com a gaiola percebi que a limpeza havia atingido meu coração. Estava tudo pronto. A ansiedade de poder segurar a vida nas mãos outra vez tomou conta de mim. Já não via o buraco da perda, mas um colorido exuberante que pedia um complemento: a vida.

Um comentário:

  1. "E foi até esse ponto que consegui chegar. Fui capaz de segurar a morte e encara-lá, não fugi do incomodo que ela me causava. Foi meu limite."


    Queria aprender a ler as entrelinhas... enquanto não consigo, fico com essa parte, porque ainda não foi o meu limite! Ainda não consegui encarar e tenho fugido! Me encontro na morte... a morte que me leva ao medo de dar um passo para aquela decisão!

    #Oremos, porque não quero mais sambar!

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