quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A fila feita em retalhos

Arte de JB

10/1 - Céu nublado. Muito ventoso, especialmente durante o dia. Chuva fraca pela manhã. Máx. 2 ºC - Mín. -6 ºC.

A manhã já ia avançada e misteriosamente a fila ainda estava grande. Seriam os atendentes que trabalhavam em número reduzido naquele dia ou realmente havia mais pessoas que de costume? O certo é que caía uma chuva fina e o forte vento transformava os pequenos pingos em pedras ao tocar a pele. Que dia para se formar uma fila! 

Senhora de cabelos grisalhos, casal de namorados ou recém-casados, homem de meia idade e bigode, moça de vestes alegres segurando desastradamente várias sacolas, mãe grávida e filho com capa de chuva, jovem... Ah! Esse merece uma segunda olhada. Jovem... Mal agasalhado, cabelos desgrenhados, uma mochila e nenhum guarda-chuva.

Na medida em que podia o jovem lutava para se manter aquecido, mas sentia todo o corpo anestesiado de frio. Havia recém chegado à cidade, desavisado não tinha se preparado para todo aquele frio. Curioso que tenha chegado em meio a tanto frio: o do clima, o da cidade, o da fila. Sim, frio da fila. Apesar da maioria das pessoas que estavam na fila já terem se visto várias vezes, naquela mesma situação, agiam como completos estranhos, não se olhavam, nem se cumprimentavam. A situação do jovem passava despercebida.

Todo ser vivo naquela cidade sofria com o clima, dois ou três cachorros circulavam pela fila na esperança de roubar algum calorzinho. Até que o menino da capa de chuva se abaixou e envolveu o menor deles com suas mãozinhas. Os dois lucravam com o gesto, o menino se distraía e o cachorro se aquecia. A mãe grávida olhou para o filho e mandou que largasse o animal, a contra gosto o menino obedeceu. o cachorrinho saiu em direção ao jovem.

O menino, que acompanhava com os olhos o cachorro, viu o jovem que congelava poucas pessoas atrás. Tocou a barriga da mãe e apontou para o novato da cidade. A mulher olhou durante alguns segundos para ele. Sua movimentação na fila despertou os olhares dos que estavam próximos, logo aquele pedaço da fila concentrou o olhar nele. Sem que uma palavra fosse dita, apenas com a troca de olhares, a fila se compadeceu dele no frio que sentia. 

A fila já não era uma linha, se aglomeraram em volta do jovem como para cortar o vento. Lutavam para segurar os guarda-chuvas e o menino da capa de chuva o abraçou. Um abraço não era muito para aquecê-lo, mas era o melhor gesto de boas vindas que poderia ter esperado daquela cidade.

Não sabiam o porquê da demora, mas o frio já havia quebrado o gelo da fila, não se importavam mais em esperar.

Já não eram mais uma fila em retalhos, mas um aglomerado só.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Que comece o espetáculo!

Konstantin Somov


Sem pressa. Vão se acomodando aos poucos. O espaço é pequeno, mas com jeitinho todos ficarão confortáveis. Isso, muito bem. Agora que todos estão devidamente sentados peço um minuto de atenção antes do espetáculo começar. Ah! Chegou um jovem cavalheiro, precisamos de um lugar para ele. Os senhores poderiam chegar um pouco mais para o lado? Obrigado. Pode se sentar aqui rapaz. Então, agora me permitam dizer algumas palavras.

A jovem senhorita que se apresentará esta noite se inspirou em uma figura muito curiosa para montar seu número. O arlequim. Uma figura alegre, desde seus guizos a sua roupa colorida. Misteriosa, que se esconde em sua negra máscara. É pelo riso que conquista sua platéia, mas desperta muito mais que isso...

Aproveitem o espetáculo, o choro é permitido, o riso é imprescindível, pode ser que se angustiem, que fiquem pensativos, que saiam daqui dispostos a mudar o mundo ou somente os móveis de lugar. O colorido do espetáculo é composto de cores claras e escuras, mas se unem como a roupa de um arlequim: diversos retalhos em losango que se assumem como uma única peça. Permitam-se serem tocados pelo que ela dirá.

Vejo que a ansiedade toma conta de vocês, não me alongarei mais. Subam as cortinas. Luzes. Guizos no palco e risos na platéia. Que comece o espetáculo!