quarta-feira, 23 de março de 2016

Agente âncora

                                 
                                                                                                                      © Depositphotos.com / Surovtseva


Arlequim, vamos. Te acompanho a cada acrobacia. Já anseio pela surpresa que tua energia e tua criatividade alcançam. Venha. Vamos. Onde quer que seja o palco, luzes, risos e guizos!

Hoje o palco toma lugar num espaço inusitado: velejemos, o mar abriga o espetáculo. Acrobacias ao vento, acrobacias submersas, levemente executadas pela liberdade da respiração não ser limitante. E ele se lança ao balanço das ondas, a cada ida decide pela incerteza da volta. Aceita ser consumido pelas águas, espera ser devolvido à terra firme, porém desfruta da viagem sem bilhete de partida nem de chegada.

Os ventos conduzem o caminho. A brisa a balançar os guizos, é calmaria, é leve. Mas a brisa... a brisa é arlequinal, imprevisível! Num instante ela muda. Ela também é tempestade, com violência agita o mar, a embarcação segue os movimentos enérgicos, a água ocupa todos os espaços, uma acrobacia no ar é um mergulho. O frio cobre a malha de losangos, as acrobacias mantêm o calor malha a dentro, nesse encontro contrastante do gelo e do quente ele se sente vivo. A vida recomeça o movimento, o incomodo na malha grita que cada pedaço do corpo vive.

Como uma pena, ele escreve movimentos circulares na tempestade que na sua desordem não sabe bem o que escreve. E a tempestade finalmente entende a calmaria dele. Cessa. Cessa a violência, mas não a intensidade. Segue o fluxo, aos poucos a vista o novo no horizonte. Resta decidir o que fazer com o tempo até que possa identificar o novo. Seus desejos sabem exatamente que novo esperar. Seus olhos não sabem precisar que novo se forma. Não se ocupa da ansiedade da espera, põe-se em movimento, o aqui e o agora são suficientes para concentrar sua existência.

E ela chega: terra a vista! Sim, os ventos mais uma vez o conduziram pelas águas até a terra firme. Pode ser que seja a última aventura em alto mar, o gosto da chegada sem bilhete é inigualável, porém a necessidade de se lançar a uma aventura sem sair do lugar cresce a cada partida. Hoje, a necessidade toma conta. Então Arlequim, fiquemos. Finalmente o desejo e a necessidade pedem uma mesma aventura, se lançam pela última vez, não esperam chegar porque sua aventura agora já é um destino.

Arlequim, o que desejas e precisas tem nome, essa é tua âncora...