segunda-feira, 6 de abril de 2015

Flamas da madrugada



Respeitável público, hoje apresento um espetáculo em chamas. Minha existência arde desde a alma até a pele de losangos coloridos. Deixem seus olhos acompanharem o tremular das chamas, deliciem-se com o intenso da cor e da temperatura. E não se preocupem, a voracidade com que o fogo me consome não me fere, não me esgota e alcançará teus olhos, mas não se alastrará pela plateia, o fogo se limita ao palco que hoje é meu corpo.

Pus-me a caminhar noite a dentro, caminhei pelas suas horas. Na madrugada atingem o ápice de sua frieza. Tomado pelo gélido ar desejei tocar-te. As chamas me tomavam todo o corpo, teu ar me confundia os sentidos, ora aliviava o calor que emanava de mim, ora me fazia ansiar pelo aconchego das temperaturas elevadas. Nas ruas desertas, sob um céu que não cheguei a notar, quis te proteger com minha fonte de calor.

Com urgência quis envolver tua gélida superfície até penetrar com meu calor a teu instante mais íntimo, mais frio. Aquele que poucos notam, que não se atentam, que não se preocupam. A chama que brotava dentro de mim transbordava e compreendi que seu movimento apontava na tua direção.

Jamais te aqueceria, não que não pudesse, mas tua natureza não mudaria seu traço mais próprio. Da mesma forma, minhas chamas jamais se apagariam. Seríamos capazes de sentir um ao outro na confusão de igualmente sentir a nós mesmos.

Com avidez precisava tocar tua beleza, justo a que desconheces. Jaz agora meu corpo em chamas envoltas no teu mais gélido instante. 

Amores Contidos



Senta-te ao meu lado, deixe que te faça uma pergunta com meus olhos fitos na tua negra máscara. Leve-me em tuas acrobacias para ouvir no tilintar de seus guizos a resposta... Quantos amores caberiam em um parque? Haveria espaço? Quantas voltas poderia caminhar? Haveria tempo? Quantas manhãs? Quantas tardes? Quantas noites disponíveis?  Seria seguro? Quem ameaçaria o cultivo de amores no parque? 

Suas dimensões são mistério para mim. Mas sei que não esgotei sua capacidade, quanto me resta? Nenhuma fria manhã recém nascida negou meus amores, nenhuma tarde ensolarada e nenhuma noite deixou de se alongar para abrigar meus amores. Até mesmo os amores que não chegaram a teus portões foram abrigados.

Fosse ao som de harmoniosa melodia. De reveladoras confissões. De uma grande adrenalina seguida de um salto desajeitado e um delicado movimento rasteiro. De passos tranquilos. De corridas ousadas. De silêncios. De pele tocando a outra por descuido ou por um movimento calculado, ou ainda, um toque por um movimento incontrolável. Carinhosamente, cada um foi recebido como único, como se tivesse todo espaço disponível para preencher.

Com generosidade o parque se ajusta, hoje depois de fazer caber tantos amores volto ao primeiro. Regresso a meu primeiro amor, o que numa tranquila e longa caminhada segura minha mão, protege meus passos de cada pensamento que ameace a tranquilidade do passeio. Assim, cada passo que dou não calcula seu destino, mas se deixa guiar, se entrega a surpresa.

Parque, revele meus amores para que eu possa dar a mão ao meu primeiro, retorno a ti como nos primórdios de minhas caminhadas, mas com todo o chão caminhado.

Arlequim? (Tilintar de guizos)