Respeitável público, hoje apresento um espetáculo em chamas. Minha existência arde desde a alma até a pele de losangos coloridos. Deixem seus olhos acompanharem o tremular das chamas, deliciem-se com o intenso da cor e da temperatura. E não se preocupem, a voracidade com que o fogo me consome não me fere, não me esgota e alcançará teus olhos, mas não se alastrará pela plateia, o fogo se limita ao palco que hoje é meu corpo.
Pus-me a caminhar noite a dentro, caminhei pelas suas horas.
Na madrugada atingem o ápice de sua frieza. Tomado pelo gélido ar
desejei tocar-te. As chamas me tomavam todo o corpo, teu ar me confundia os
sentidos, ora aliviava o calor que emanava de mim, ora me fazia ansiar pelo
aconchego das temperaturas elevadas. Nas ruas desertas, sob um céu que não
cheguei a notar, quis te proteger com minha fonte de calor.
Com urgência quis envolver tua gélida superfície até
penetrar com meu calor a teu instante mais íntimo, mais frio. Aquele que poucos
notam, que não se atentam, que não se preocupam. A chama que brotava dentro de
mim transbordava e compreendi que seu movimento apontava na tua direção.
Jamais te aqueceria, não que não pudesse, mas tua natureza
não mudaria seu traço mais próprio. Da mesma forma, minhas chamas jamais se
apagariam. Seríamos capazes de sentir um ao outro na confusão de igualmente
sentir a nós mesmos.
Com avidez precisava tocar tua beleza, justo a que
desconheces. Jaz agora meu corpo em chamas envoltas no teu mais gélido
instante.