segunda-feira, 12 de maio de 2014

À minha plateia de um espectador só




          — O que te falta Arlequim?
          Finalmente, com a plateia completa o espetáculo tende a seu ápice de beleza. Tende... mas ainda não o alcançou. Certo é que a plateia de um espetador só está de fato completa.
          — Se não te falta, o que se passa Arlequim?
          O espetáculo que antes se dava coberto por retalhos coloridos, agora é projetado violentamente em estilhaços de um espelho. Cada fragmento de losangos imperfeitos me penetra a carne, reveste minha pele de reflexos e sangue. Cada gota em seu vermelho vivo reproduz o que o espelho, agora sem unidade, revela: minha realidade invertida.
          A iluminação é montada na esperança de que como o sol alcança a lua e esta o reflete, também o público alcance os fragmentos de espelho e estes ao serem iluminados devolvam a luz como reflexo ao espectador.
          Agora a hesitação toma conta do teatro, o espelho com toda sua pureza e sinceridade expõe o ser sem máscara, palco e plateia se enchem de medo ao conhecer a si próprios, mas a alma dos dois anseia avidamente por se ver refletir no espelho sem mancha, nesse que é o outro. Na confusão que se instaura, o que reflete e o refletido é palco e plateia, plateia e palco. Nessa via de reflexo duplo a verdade se faz personagem no palco.
          — Arlequim?
          (Silêncio no palco)
          — Não desfaleça Arlequim, inscreva no ar tuas poéticas acrobacias, ainda que te cause dor, inscreva as. A plateia de um espectador só já está completa, logo o espelho côncavo se reconstituirá e comunicará o calor dos raios aos corpos no teatro. E então, tu arlequim e tua plateia se abrasarão num aconchego sublime
          — Arlequim?

          Risos e Guizos!