sexta-feira, 17 de maio de 2019

Um ensaio para o espetáculo da providência


E é chegada a hora. Nunca houve improviso ensaiado e jamais se ouviu falar de espetáculo preparado tão imprevisível, justamente esse número improvável que toma lugar. É chegada a hora. Convido com imensa alegria que acompanhem os ensaios, se envolvam com os risos e lágrimas que serão apresentadas, e não se aflijam, acompanhar o processo de criação não ofuscará o brilho do espetáculo, ele será inédito. Esclareço que aqui não se trata de enganá-los, de fazê-los acompanhar ensaios que não serão encenados, aqui se ensaia o começo e no dia se abandona à providência do improviso. E no palco, movidos assim, Arlequim e Colombina se entregam. Que comece o espetáculo! Risos e Guizos...

Esse tempo que se ensaia é de enorme riqueza. Aqui se vê o espetáculo final, mas também de onde veio e o que passou para que fosse encenado. A sua origem, seu desenrolar, como foi composto, tudo que fez parte da produção, mesmo que nem tudo tenha ficado para o espetáculo final.

A que se deliciar com as cores que desfilam, as tentativas de acrobacias e os movimentos perfeitamente executados. Os ensaios são tomados pela leveza das tentativas. Os dois dançam e experimentam o palco, experimentam um ao outro. Naturalmente os movimentos se constroem, são moldados na medida de Arlequim e Colombina. Naturalmente, mas não necessariamente harmônico ou sincronizado. Teremos atropelos, falhas, passos desacompanhados. Esse é o espetáculo do ensaio.

Aqui há uma beleza escondida, nada está decidido, a luz não é definitiva, o figurino não foi escolhido, o roteiro não foi fechado, os passos não estão montados. No improviso tem-se o ponto de partida, no ensaio tem-se o embrião deste ponto. A beleza está na surpresa, na possibilidade, na tentativa, é belo porque ainda não é um espetáculo mas já contem em si o deslumbre do que será.

Será tropeços, belo, ousado, imprevisível, risos e guizos.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Na linha do trem




Esse é o primeiro não espetáculo, aqui não se apresentada nada, não que falte histórias para improvisar, mas porque o agora é a espera por essas histórias. acomodem-se e sejam bem vindos à sala da espera. Aqui não se (des)espera, então se acalmem, o frio na barriga pode ser pelo anseio, jamais por desespero.

Acaba que esse teatro ambulante se encontra por diversas vezes em espera, cada espetáculo e separado pelo tempo e espaço até que o aqui e o agora se encontrem e uma voz diga: Respeitável público! Talvez esse seja o momento da ansiedade máxima, é quando espetáculo está certo de começar, mas ainda não começou e não se sabe bem o que virá. Quando se sabe que ele está para começar... tudo é silêncio e a atenção se limita ao palco.

O momento anterior, o que anuncia que o teatro pegou a estrada e se colocou em movimento, que a rota do aqui foi traçada para cruzar com a do agora, que a ansiedade começa a borbulhar, é nesse momento que as mãos gelam de leve e o sono se vai. Está chegando, é o colorido de acrobacias e de risos e guizos que se aproxima, um novo espetáculo está as portas.

A ansiedade cresce e pode ser que o público não se contenha, sabendo da rota se encaminha para interceptar o teatro no meio do caminho e aplaudir logo na chegada os atores do improviso. E vão todos para encruzilhada mais próxima, a da linha do trem, onde se dá o encontro perfeito, digo perfeito porque as palmas encontraram o teatro bem a tempo de fazer da espera um espetáculo também. Ao improviso da plateia: risos e guizos!

terça-feira, 4 de julho de 2017

Soldadinho de chumbo



Respeitável público! E com grande euforia que hoje os recebo, tomem seus lugares, as acrobacias serão hoje das mais leves e graciosas, o improviso se apresenta no balé, na ponta dos pés para deslumbre, risos e guizos!

E chega Colombina, ah como é graciosa! Por um instante nos ocupemos de admirar a liberdade que ela vive ao improvisar passos  tão técnicos e particulares como o balé.  A delicadeza que assume transparece sua fragilidade e ao mesmo tempo sua força. Colombina, Colombina...

Os passos são acompanhados, ela dança com seu mais novo presente. O presente foi lhe entregue com a incumbência de guardá-lo e protege-lo, seu frágil boneco de madeira: seu quebra nozes! Um valente soldado que quebrou uma noz com uma mordida e deu sua castanha para uma uma princesa amaldiçoada.

Que presente mais belo! E como proteger um herói? Um bravo herói que ao salvar uma donzela assumiu sua maldição. Pois em seus sonhos Colombina jamais imaginou que poderia ser a bendição de tão nobre soldado.  Num gesto despretensioso ela ata seu braço ferido e dá a ele uma espada. Colombina, Colombina... se quer sabia que ele não precisava de proteção, só sofria com os ataques porque não tinha como se defender, seu cuidado lhe restaurou os movimentos do braço e de posse de sua espada estava em condições de defender a eles dois.

E nem por isso havia deixado de receber prendas e docilidades de outras, porém ele já tinha uma relação sólida de gratidão e dever para com Colombina. A banda que ela havia usado em seus ferimentos, atava antes seus corações do que a ferida em si. E tamanho carinho que ela imprimiu em seus cuidados era um bálsamo para tantas outras feridas mal cicatrizadas que ele carregava.

A maldição que quebra nozes contraiu ao libertar a princesa só seria vencida quando ele fosse capaz de amar e em troca ser amado. Pois eis que o presente de Colombina toma forma e acompanha seus passos no palco. É com tamanha graciosidade que improvisam sua dança que nem se nota sua insegurança ou pouco preparo. Nota-se sobre tudo sua entrega, antes um ao outro e depois ao balé.

Ele segue encantado com o cuidado que ela lhe dispensou, ela se surpreende que tenha cumprido sua tarefa de protegê-lo, e de cumpri-lá com tamanha naturalidade. Colombina, Colombina... encontraste um cúmplice no palco para improvisar balé aos risos e guizos pela vida!

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Srta e Peculiar


Leonid Afremov

Curioso como desde o princípio nunca houve um palco comum, o palco onde tudo começou é a praça, a iluminação é natural, as coxias não são um espaço, mas a própria praça no tempo anterior a chegada do público. Desde sempre o palco do espetáculo é o inusitado, toma lugar no surpreendente, onde mais seria se quando o espetáculo acaba já parte ao novo destino? Parte quase que em fuga por tamanha rapidez que se desfaz. Respeitável público, improvisem seus lugares, plateia e atores seguem hoje um roteiro sem final definido. É de coragem que se alimenta um espetáculo desconhecido e só com o fim materializado saberemos do que se trata, para onde estava indo e risos e guizos!

Ato primeiro

As acrobacias começam no paladar, os vários sabores se espalham, sabores de origens consideravelmente diferentes, sabores heterogêneos e contrastantes, inscrevem na boca ousados movimentos, deleitam com sua harmonia inusitada, mas saciam a fome com a combinação de sabores simples. E noite a dentro se perdem Srta e Peculiar. Vagando sem rumo porque o destino não é um lugar, é a companhia, I can't do it alone. O percurso é um emaranhado de rotas trançadas pelos passos dos dois em busca de uma praça.

Ato segundo

Essa é a praça um pouco depois da próxima praça, o improviso saltou uma praça e ela vai ficar para outra apresentação. O improviso separou pessoalmente o figurino para esse ato, escolheu o palco e fechou os dois ali sem teto ou paredes. Ali as acrobacias de Peculiar tocavam a pele da Srta. Por horas a fio foram tocados pela brisa daquela noite. Por fim ela o levou em casa sem sair do lugar.

Ato terceiro

Esse ato alcança a leveza máxima, o improviso total. O som é de vitrola, toca suavemente ao fundo mas chega a ser mais marcante que a própria presença de Srta e Peculiar. E estão ali, na praça seguinte, na dos mais antigos, onde mistérios são desfeitos quando medos atingem seu clímax. O espetáculo que se vê é o de acrobacias graciosas, como plumas, tanto que tocam os jardins sem matar sua suculência, e sozinha ela jamais foi capaz disso. So listen, oh, don't wait. Vamos em silêncio nos retirar, o espetáculo se encerra assim, num som aconchegante, ela fecha os olhos e juntos eles finalizam a acrobacia mais desafiadora.

E agora resta num último improviso kāten o tojimasu!

sábado, 15 de outubro de 2016

Dos maiores que já se teve notícia

Ernesto de Fiori

Há tanto a ser apresentado. Há tantos palcos a serem descobertos. Há tanta surpresa para deleite da plateia. Há tanto de luzes no palco, risos e guizos! 

Respeitável público! Acomodem-se aos pares. Hoje, o espetáculo é dançante. Antes de ser para assistir é para ouvir, fechem os olhos, sozinhos sem tomar consciência dos que o cercam escutem... Só escutem, o som tende a entrar pelo ouvido e chegar ao coração, quando suas batidas estiverem harmonizadas com o que se escuta podem abrir os olhos. Sem pressa, levem o tempo que for preciso. Feito isso, rapazes deem um beijo na mão de sua dama e se posicionem para dançar. Aqui deixo de instruí-los, as pernas serão guiadas pelas batidas do coração compassadas com o belo som que se escuta.

Esse é o espetáculo de Floriano e Teresa, ele veio de longe, mas muito longe, veio de tão longe que quase se atrasou para chegar tão perto de Teresa. Ele não sabia, ela também não tinha certeza, mas ele veio dessa lonjura toda só pra uma dança. Uma dança de versos de amor, marcadas por um triângulo e com ritmo de tirar o fôlego. Justo a dança que agora vocês apresentam. Mantenham os passos firmes, é em cada um deles que se apresenta a história dos maiores que se teve notícia.

Um dia Floriano sorriu para Teresa e lhe pediu a mão, ela consentiu, ele a tirou para a pista de dança que tinha o teto de estrelas e luar. Era cena de filme, até que eles começaram a dançar: virou primeiro ensaio de número amador. Ele repentinamente deixava de conduzir, ela ficava sem saber se ia ou ficava no movimento e na sua busca por ele aconteciam os tropeços, assim foram se machucando, se esbarrando, se estranhando pelo salão. Não era bonito de olhar nem prazeroso de dançar. Mas insistiram, felizmente insistiram tempo suficiente.

Os dois, incomodados com a performance desajeitada, decidiram fazer a dança fluir com leveza. Curioso que tomaram a decisão sem consultar um ao outro ou fazer alarde da situação. Ela, passou a esperar pela condução dele, estava atenta a cada mínimo movimento e fazia exatamente o passo que ele conduzia. Ele, encontrou espaço para conduzi-la com firmeza, compreendeu que a cada giro revelava a beleza de Teresa e a exuberância deles. Passaram a dançar como um par e como par eles roubavam a cena no salão. A segurança era tamanha que ela fechava os olhos e só tinha consciência dele e do triângulo. 

Essa é uma dança sobre um par improvável, uma escolha, confiança. Aprenderam a dançar um com o outro, dançavam na medida que podiam e eram bons nisso. Essa é uma dança dos maiores que se já teve notícia.

Floriano veio de muito longe aos risos e guizos só para essa dança com Teresa. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Carnavalizar




E voltei na nossa quadra, uma banda tocava carnaval na parada de ônibus, entrei num bar de gente bonita, luz vermelha, um boneco na rede, pedi dos seus petiscos, bebi da melhor cerveja da casa, tinha gosto de aconchego, igual sua companhia, esqueci do tempo pela playlist que era de 1900 e bolinha, tocou a nossa música, dividi a conta com outro, planejei a próxima rodada e vou carnavalizar cada brinde com a nossa folia.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Carnaval de casa


O Carnaval do Arlequim - Joan Miró

Ele chegou no Carnaval, para cantar na folia, para colorir o colorido que tomava a rua. Ele trouxe Pierrot e Colombina. Vieram do continente para se quererem no país continental, e logo seus quereres tinham o prazer tropical, o calor desse povo de poeira na íris que faz festa no bloquinho de rua.

Ele, coberto de losangos nunca foi confundido na multidão, Colombina brincava de acompanhá-lo com os olhos para ser tocada por seus guizos, Pierrot tinha claro quem era o motivo de sua dor, quem detinha o coração de sua amada. Ele era a malha de losangos que enchia a avenida de alegria com suas acrobacias. Apaixonava uma, machucava o outro. Era espetáculo no desfile, era comédia e riso, romance com Colombina, drama para Pierrot.

A folia ganhou força com a bagunça que esses três chegaram fazendo. É alegria que não cabe dentro, transborda com a vivacidade que fecha a rua, interrompe o trânsito mesmo, a avenida é dos foliões e de mais ninguém. Seu amor corre, salta, pula, samba na liberdade de corresponder e também de não ser correspondido. Segue o riso. Pouco se fala, menos ainda se escuta. Tudo se canta, tudo se dança, todos fazem Carnaval...

Fim de Carnaval. Para onde vão esses três? Onde continua a festa? Acolhi Arlequim e os seus, estou de prontidão para levar o bloco de volta as ruas, as marchinhas tocam em volume mínimo, as cores estão em seus tons mais claros, os três se querendo intensamente. A verdade é que o Carnaval está acontecendo dentro de casa. Fora de época. Carnavalizam o sofá, a cozinha, o quarto, a sala de jantar, até o que não é Carnaval eles cobriram de confetes.

Por mais que seja, não é Carnaval, falta algo. Na solidão de uma casa só não é Carnaval. Vou deixando esse Carnaval acontecer aqui dentro, pelo menos até que o ano que vem chegue, mal podemos esperar para tomar as ruas e fazer essa festa explodir em risos e guizos. Somos cúmplices a cultivar a algazarra para o Carnaval que vai chegar.

A gente se encontra na avenida, ainda não é tempo, mas quando for tempo, a gente carnavaliza todo esse Carnaval acumulado...