sábado, 26 de outubro de 2013

Para além da máscara...



Pode ser que alguém, sentado aqui nessa plateia, julgue um erro dar ao Arlequim o espaço de estrela do espetáculo. Pode ser que se questionem porque o Pierrot não mereceu tal reconhecimento. Já aviso a todos: não escolhemos mal, pelo contrário, tão acertada foi essa decisão que ela por si só é inspiração para um novo espetáculo! Desarmem o coração, se acomodem devidamente e deliciem-se com o número que se seguirá! Luz no palco, que subam as cortinas, risos e guizos!

E ele vem chegando, passos leves, como se flutuasse, uma cambalhota no ar, como se fosse uma pluma. Uma figura que personifica a leveza, mas é de uma leveza tão exagerada que chega a ser oco. Algo por dentro não está, algo falta. Mas, o que te falta Arlequim? Se caminhas tranquilo, se seu sorriso é radiante, seu riso contagiante e seu olhar tão sereno! O que te falta?

Ganhaste a Colombina, Pierrot carrega a dor de um coração partido. Mas o que tens de Colombina? Digo sem titubear, ele não tem o amor dela, muito menos tem amor por ela. O que te falta Arlequim para sentir o amor? Porque a tristeza do Pierrot parece mais plena que sua alegria? Te falta um coração? Não! Pois, já que ele bate em seu peito, o que te falta Arlequim? O que? Viraremos teus losangos do avesso se preciso for para preencher teu vazio!

Ele continua a desfilar seu vazio pelo palco como se não fosse incomodo, para ele de fato não é, mas para os que o percebem... Continuemos nossa busca, tamanho vazio certamente tem uma fonte! Vejo uma pista! Surge uma sombra diferente no olhar de nosso Arlequim, nem mesmo sua máscara negra pode ocultar. Para onde ele olha? Se olhar se volta para algum ponto na plateia, onde? Para vocês! Isso querido casal, quem diria... Um senhor e uma senhora, já de idade avançada, transparecem o amor vivido em uma vida juntos num simples encontro de mãos! 

Um gesto tão simples instigou o olhar do Arlequim, ele foi tomado pela curiosidade de sentir o que os dois sentem. Por nunca ter experimentado a grandiosidade desse sentimento não pode sentir falta, nem compreender o que se passa entre os dois naquele tocar de mãos. Mas porque não compreendes? Porque te é tão estranho o amor? O que te falta para que ele aconteça?

Até aqui  fica claro que o Arlequim não é o vilão, se ele conquistou a Colombina, não foi para ver o sofrimento do Pierrot e muito menos para se aproveitar da inocência da donzela. Ele o fez por não ser capaz de despertar algo mais nela e nem em si mesmo. Ele não é capaz de amar. Mas porque? Porque nunca foi amado? Ou nunca foi amado porque nunca amou? O que te falta Arlequim? Deixe-se salvar!

O que vemos: um Arlequim vazio, porém seu peito está tomado por um coração de pedra! Tire a máscara Arlequim! Deixe que o que está oculto se manifeste, deixe que minhas perguntas encontrem tua resposta. Ah!... Agora vejo! Agora te compreendo! Por te compreender posso te tirar o vazio! Vejo um semblante amedrontado, amar é um perigo tão grande que te escondes e não amas! Tens medo, por isso o coração de pedra!

Agora que conheço teu maior pesadelo posso dizer que te amo! E por te amar te salvo! Era isso o que te faltava, alguém que te apresentasse um novo sabor, o sabor do amor! Como poderias viver algo que nem conhecias a cor de seu sabor? Agora te dou a possibilidade de sentir esse sabor, de compreender o sentimento do casal em nossa plateia.

Mas quem sou eu? Se não uma voz a te apresentar, um borrão próximo ao holofote que te ilumina, o coração que morre de amor por ti? Coragem! Agora que tens o melhor dos sabores na memória, continue a se apresentar, pode ser que entre uma acrobacia e um riso eu venha a me materializar... Te amo Arlequim!