segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Srta e Peculiar


Leonid Afremov

Curioso como desde o princípio nunca houve um palco comum, o palco onde tudo começou é a praça, a iluminação é natural, as coxias não são um espaço, mas a própria praça no tempo anterior a chegada do público. Desde sempre o palco do espetáculo é o inusitado, toma lugar no surpreendente, onde mais seria se quando o espetáculo acaba já parte ao novo destino? Parte quase que em fuga por tamanha rapidez que se desfaz. Respeitável público, improvisem seus lugares, plateia e atores seguem hoje um roteiro sem final definido. É de coragem que se alimenta um espetáculo desconhecido e só com o fim materializado saberemos do que se trata, para onde estava indo e risos e guizos!

Ato primeiro

As acrobacias começam no paladar, os vários sabores se espalham, sabores de origens consideravelmente diferentes, sabores heterogêneos e contrastantes, inscrevem na boca ousados movimentos, deleitam com sua harmonia inusitada, mas saciam a fome com a combinação de sabores simples. E noite a dentro se perdem Srta e Peculiar. Vagando sem rumo porque o destino não é um lugar, é a companhia, I can't do it alone. O percurso é um emaranhado de rotas trançadas pelos passos dos dois em busca de uma praça.

Ato segundo

Essa é a praça um pouco depois da próxima praça, o improviso saltou uma praça e ela vai ficar para outra apresentação. O improviso separou pessoalmente o figurino para esse ato, escolheu o palco e fechou os dois ali sem teto ou paredes. Ali as acrobacias de Peculiar tocavam a pele da Srta. Por horas a fio foram tocados pela brisa daquela noite. Por fim ela o levou em casa sem sair do lugar.

Ato terceiro

Esse ato alcança a leveza máxima, o improviso total. O som é de vitrola, toca suavemente ao fundo mas chega a ser mais marcante que a própria presença de Srta e Peculiar. E estão ali, na praça seguinte, na dos mais antigos, onde mistérios são desfeitos quando medos atingem seu clímax. O espetáculo que se vê é o de acrobacias graciosas, como plumas, tanto que tocam os jardins sem matar sua suculência, e sozinha ela jamais foi capaz disso. So listen, oh, don't wait. Vamos em silêncio nos retirar, o espetáculo se encerra assim, num som aconchegante, ela fecha os olhos e juntos eles finalizam a acrobacia mais desafiadora.

E agora resta num último improviso kāten o tojimasu!

sábado, 15 de outubro de 2016

Dos maiores que já se teve notícia

Ernesto de Fiori

Há tanto a ser apresentado. Há tantos palcos a serem descobertos. Há tanta surpresa para deleite da plateia. Há tanto de luzes no palco, risos e guizos! 

Respeitável público! Acomodem-se aos pares. Hoje, o espetáculo é dançante. Antes de ser para assistir é para ouvir, fechem os olhos, sozinhos sem tomar consciência dos que o cercam escutem... Só escutem, o som tende a entrar pelo ouvido e chegar ao coração, quando suas batidas estiverem harmonizadas com o que se escuta podem abrir os olhos. Sem pressa, levem o tempo que for preciso. Feito isso, rapazes deem um beijo na mão de sua dama e se posicionem para dançar. Aqui deixo de instruí-los, as pernas serão guiadas pelas batidas do coração compassadas com o belo som que se escuta.

Esse é o espetáculo de Floriano e Teresa, ele veio de longe, mas muito longe, veio de tão longe que quase se atrasou para chegar tão perto de Teresa. Ele não sabia, ela também não tinha certeza, mas ele veio dessa lonjura toda só pra uma dança. Uma dança de versos de amor, marcadas por um triângulo e com ritmo de tirar o fôlego. Justo a dança que agora vocês apresentam. Mantenham os passos firmes, é em cada um deles que se apresenta a história dos maiores que se teve notícia.

Um dia Floriano sorriu para Teresa e lhe pediu a mão, ela consentiu, ele a tirou para a pista de dança que tinha o teto de estrelas e luar. Era cena de filme, até que eles começaram a dançar: virou primeiro ensaio de número amador. Ele repentinamente deixava de conduzir, ela ficava sem saber se ia ou ficava no movimento e na sua busca por ele aconteciam os tropeços, assim foram se machucando, se esbarrando, se estranhando pelo salão. Não era bonito de olhar nem prazeroso de dançar. Mas insistiram, felizmente insistiram tempo suficiente.

Os dois, incomodados com a performance desajeitada, decidiram fazer a dança fluir com leveza. Curioso que tomaram a decisão sem consultar um ao outro ou fazer alarde da situação. Ela, passou a esperar pela condução dele, estava atenta a cada mínimo movimento e fazia exatamente o passo que ele conduzia. Ele, encontrou espaço para conduzi-la com firmeza, compreendeu que a cada giro revelava a beleza de Teresa e a exuberância deles. Passaram a dançar como um par e como par eles roubavam a cena no salão. A segurança era tamanha que ela fechava os olhos e só tinha consciência dele e do triângulo. 

Essa é uma dança sobre um par improvável, uma escolha, confiança. Aprenderam a dançar um com o outro, dançavam na medida que podiam e eram bons nisso. Essa é uma dança dos maiores que se já teve notícia.

Floriano veio de muito longe aos risos e guizos só para essa dança com Teresa. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Carnavalizar




E voltei na nossa quadra, uma banda tocava carnaval na parada de ônibus, entrei num bar de gente bonita, luz vermelha, um boneco na rede, pedi dos seus petiscos, bebi da melhor cerveja da casa, tinha gosto de aconchego, igual sua companhia, esqueci do tempo pela playlist que era de 1900 e bolinha, tocou a nossa música, dividi a conta com outro, planejei a próxima rodada e vou carnavalizar cada brinde com a nossa folia.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Carnaval de casa


O Carnaval do Arlequim - Joan Miró

Ele chegou no Carnaval, para cantar na folia, para colorir o colorido que tomava a rua. Ele trouxe Pierrot e Colombina. Vieram do continente para se quererem no país continental, e logo seus quereres tinham o prazer tropical, o calor desse povo de poeira na íris que faz festa no bloquinho de rua.

Ele, coberto de losangos nunca foi confundido na multidão, Colombina brincava de acompanhá-lo com os olhos para ser tocada por seus guizos, Pierrot tinha claro quem era o motivo de sua dor, quem detinha o coração de sua amada. Ele era a malha de losangos que enchia a avenida de alegria com suas acrobacias. Apaixonava uma, machucava o outro. Era espetáculo no desfile, era comédia e riso, romance com Colombina, drama para Pierrot.

A folia ganhou força com a bagunça que esses três chegaram fazendo. É alegria que não cabe dentro, transborda com a vivacidade que fecha a rua, interrompe o trânsito mesmo, a avenida é dos foliões e de mais ninguém. Seu amor corre, salta, pula, samba na liberdade de corresponder e também de não ser correspondido. Segue o riso. Pouco se fala, menos ainda se escuta. Tudo se canta, tudo se dança, todos fazem Carnaval...

Fim de Carnaval. Para onde vão esses três? Onde continua a festa? Acolhi Arlequim e os seus, estou de prontidão para levar o bloco de volta as ruas, as marchinhas tocam em volume mínimo, as cores estão em seus tons mais claros, os três se querendo intensamente. A verdade é que o Carnaval está acontecendo dentro de casa. Fora de época. Carnavalizam o sofá, a cozinha, o quarto, a sala de jantar, até o que não é Carnaval eles cobriram de confetes.

Por mais que seja, não é Carnaval, falta algo. Na solidão de uma casa só não é Carnaval. Vou deixando esse Carnaval acontecer aqui dentro, pelo menos até que o ano que vem chegue, mal podemos esperar para tomar as ruas e fazer essa festa explodir em risos e guizos. Somos cúmplices a cultivar a algazarra para o Carnaval que vai chegar.

A gente se encontra na avenida, ainda não é tempo, mas quando for tempo, a gente carnavaliza todo esse Carnaval acumulado...

quarta-feira, 23 de março de 2016

Agente âncora

                                 
                                                                                                                      © Depositphotos.com / Surovtseva


Arlequim, vamos. Te acompanho a cada acrobacia. Já anseio pela surpresa que tua energia e tua criatividade alcançam. Venha. Vamos. Onde quer que seja o palco, luzes, risos e guizos!

Hoje o palco toma lugar num espaço inusitado: velejemos, o mar abriga o espetáculo. Acrobacias ao vento, acrobacias submersas, levemente executadas pela liberdade da respiração não ser limitante. E ele se lança ao balanço das ondas, a cada ida decide pela incerteza da volta. Aceita ser consumido pelas águas, espera ser devolvido à terra firme, porém desfruta da viagem sem bilhete de partida nem de chegada.

Os ventos conduzem o caminho. A brisa a balançar os guizos, é calmaria, é leve. Mas a brisa... a brisa é arlequinal, imprevisível! Num instante ela muda. Ela também é tempestade, com violência agita o mar, a embarcação segue os movimentos enérgicos, a água ocupa todos os espaços, uma acrobacia no ar é um mergulho. O frio cobre a malha de losangos, as acrobacias mantêm o calor malha a dentro, nesse encontro contrastante do gelo e do quente ele se sente vivo. A vida recomeça o movimento, o incomodo na malha grita que cada pedaço do corpo vive.

Como uma pena, ele escreve movimentos circulares na tempestade que na sua desordem não sabe bem o que escreve. E a tempestade finalmente entende a calmaria dele. Cessa. Cessa a violência, mas não a intensidade. Segue o fluxo, aos poucos a vista o novo no horizonte. Resta decidir o que fazer com o tempo até que possa identificar o novo. Seus desejos sabem exatamente que novo esperar. Seus olhos não sabem precisar que novo se forma. Não se ocupa da ansiedade da espera, põe-se em movimento, o aqui e o agora são suficientes para concentrar sua existência.

E ela chega: terra a vista! Sim, os ventos mais uma vez o conduziram pelas águas até a terra firme. Pode ser que seja a última aventura em alto mar, o gosto da chegada sem bilhete é inigualável, porém a necessidade de se lançar a uma aventura sem sair do lugar cresce a cada partida. Hoje, a necessidade toma conta. Então Arlequim, fiquemos. Finalmente o desejo e a necessidade pedem uma mesma aventura, se lançam pela última vez, não esperam chegar porque sua aventura agora já é um destino.

Arlequim, o que desejas e precisas tem nome, essa é tua âncora...